A 1ª seção do STJ iniciou nesta quarta-feira, 23, o julgamento de recurso repetitivo que trata da possibilidade de o prestador de serviços públicos suspender o fornecimento de energia elétrica em razão de débito pretérito do destinatário final do serviço.
O relator, ministro Herman, apresentou o voto com leve alteração na jurisprudência da Casa, mas após considerações dos colegas pediu vista regimental para aprimorar a redação da tese.
No caso concreto, o acórdão recorrido concluiu que é vedado o corte do fornecimento de energia elétrica quando o débito está em discussão judicial e trata-se de dívida pretérita.
Defesa dos interesses sociais
O ministro Herman Benjamin fez uma incisiva crítica antes de entrar no mérito do processo. S. Exa. lembrou que foi o Tribunal que fixou limites protetivos aos consumidores em relação aos cortes, e a Aneel veio sempre na “esteira”, quando deveria ser o oposto.
“Esses processos não deviam sequer chegar aqui. A agência está para proteger os consumidores e não para ser cooptada pelas empresas. E isso se aplica a outras agências também.
É sintomático que em casos como esse, que interessam a todos os brasileiros, só tivemos a voz do setor produtivo, e do Poder Público representando apenas o equilíbrio econômico-financeiro.
Mas os outros valores não foram representados. Onde está a União? Onde estão os Estados? Onde está a sociedade civil organizada?”
Segundo o relator, tal “anomalia” precisa ser corrigida, especialmente em recursos repetitivos, pois situações como a tal não caracterizam verdadeiramente o contraditório.
Jurisprudência pacífica
O voto do ministro relator a favor da possibilidade de corte de energia é, em suas próprias palavras, a aplicação da jurisprudência “absolutamente pacífica” das turmas de Direito Público, eis que a matéria é tranquila na Casa; contudo, ainda assim, aportam milhares de processos no Judiciário acerca do tema.
Fazendo uma digressão histórica, Herman Benjamin anotou que o STJ, nos anos 90 e anos 2000, entendia que o corte do serviço administrativo era inadmissível. Então, alterou essa orientação para permitir o corte e, em casos isolados, fixava as limitações – como, por exemplo, a necessidade de aviso prévio do consumidor ou o impeditivo da cobrança administrativa por quatro anos de atraso fixados unilateralmente.
“Não se trata mais da possibilidade do corte administrativo, que o STJ aceita, mas limitar esse corte para que não haja uma quebra do devido processo legal. Não estamos discutindo o direito que todo credor tem de cobrar em juízo as dívidas, e sim a possibilidade de se impor limites temporais às empresas concessionárias de energia elétrica para a cobrança administrativa. É uma exceção e como tal deve ser tratada.”
Particularmente em relação aos casos de fraude – situação do caso concreto -, Herman lamentou que a fraude seja uma “praga no Brasil, em tudo, inclusive na Administração Pública”. Mas ponderou que a demora da concessionária, seja por omissão ou ineficácia, em constatar a fraude, não autoriza o corte de energia por um débito de três ou quatro anos atrás.
“É estabelecida [a dívida] retroativamente e cobrada com mecanismos de coação, o mais brutal de todos, porque ninguém vive sem energia elétrica. O pobre tem geladeira hoje.”
Alteração no prazo
Herman Benjamin propôs a seguinte tese com base na jurisprudência:
“É lícito o corte administrativo do serviço de energia elétrica por mora do consumidor quando, se tratar de débito decorrente de cobrança regular de consumo, concernente ao último mês mensurável e se houver aviso prévio da suspensão."
E ponderou que seria “bem razoável” que a Corte aumentasse o prazo, entendendo que podem ser cobrados administrativamente, com ameaça de corte, os débitos com 90 dias.
De acordo com Herman, a empresa pode demorar dois anos para apurar a existência de uma fraude, por exemplo, mas só vai poder cobrar sob ameaça de corte o prazo de três meses – sem prejuízo da cobrança administrativa e judicial do restante.
O ministro Napoleão fez a sugestão de alteração na redação ("É lícito o corte de energia elétrica nos casos de mora e de fraude desde que observado o prazo de 90 dias"), e tendo gostado da ideia, Herman pediu vista regimental para aprimorar a tese e tornar a apresentá-la para apreciação da 1ª seção, incluindo o prazo de 90 dias. O relator irá levar o caso na próxima sessão do colegiado.
Processo relacionado REsp 1.412.433.
Fonte: Migalhas.