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Leis que proíbem nomeação por crimes contra criança, mulher e idoso são válidas

A imposição de impedimentos à nomeação para cargos de provimento efetivo, em comissão e, até mesmo, para funções de confiança, não constitui ingerência do Poder Legislativo na esfera de atribuição do Poder Executivo.

Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo validou uma lei de Ubatatuba, que proíbe a nomeação, para todos os cargos em comissão do Executivo e do Legislativo, de pessoas condenadas com trânsito em julgado por crimes contra mulheres, crianças e adolescentes ou idosos, bem como crimes hediondos.

Ao contestar a lei, de autoria parlamentar, a Prefeitura de Ubatuba apontou vício de iniciativa, por invasão de área exclusiva do Poder Executivo, além de afronta ao princípio da separação de poderes. Entretanto, por maioria de votos, a ação foi julgada improcedente, sob relatoria do desembargador Elcio Trujillo.

"A matéria questionada na norma impugnada não consta do rol indicado, o que, de pronto, afasta o vício da inconstitucionalidade pretendido em reconhecimento e porque, como se apercebe, a matéria não é privativa do chefe do Executivo cabendo, por consequência, também, de forma comum, ao Poder Legislativo", disse o magistrado.

No caso dos autos, segundo o relator, não se trata de criação ou extinção de cargos públicos, como alegado pela prefeitura, mas apenas de fixação de condições para o provimento dos cargos em comissão. Para Trujillo, também não houve usurpação da competência da União e dos Estados, pois a lei apenas suplementa legislação já existente.

"E, ainda por cima, a lei questionada está em conformidade com o que preconiza os artigos 111 e 144 da Constituição Estadual, pois impôs regras gerais de moralidade administrativa, dando concretude aos princípios lá elencados", completou o relator, citando princípios como da legalidade, da moralidade, da razoabilidade e do interesse público.

Trujillo também destacou parecer da Procuradoria-Geral de Justiça no sentido de que a imposição de restrições gerais ao acesso aos cargos em comissão é uma função de Estado, razão pela qual a iniciativa parlamentar de Ubatuba não viola o princípio da separação de poderes.

Lei semelhante
O Órgão Especial também validou uma lei semelhante de Santo André, que proíbe a ocupação de cargos públicos (efetivos ou comissionados) por condenados por crimes de violência física, psicológica ou sexual contra a mulher, crimes de violência sexual contra crianças e adolescentes, além de crimes previstos no Estatuto do Idoso.

A lei, também de iniciativa parlamentar, foi contestada pela Prefeitura de Santo André, que alegou vício de iniciativa, ofensa ao princípio da separação dos poderes e violação do pacto federativo. Assim como no caso de Ubatuba, a ação contra a norma de Santo André também foi julgada improcedente, por maioria de votos.

Para o relator, desembargador Ferreira Rodrigues, o texto não versa sobre regime jurídico dos servidores, ou sobre regras de direito penal ou direito político, mas sim sobre parâmetros éticos relacionados à aptidão para ocupação de cargos públicos. Por se tratar de matéria de interesse público, o magistrado destacou a competência legislativa concorrente.

"Também não vislumbro hipótese de inconstitucionalidade por ofensa aos princípios da legalidade e isonomia. É certo que a norma municipal, objeto da impugnação, limita a proibição de nomeações às pessoas condenadas por crimes específicos, sem alusão aos demais tipos penais, o que, em tese, poderia indicar hipótese de quebra de isonomia no tratamento conferido às pessoas condenadas criminalmente", disse.

Porém, conforme Rodrigues, a lei não fez nenhuma discriminação, "muito menos arbitrária", entre as condenações pelos crimes detalhados no texto e as condenações por delitos de outra natureza. Ou seja: a proibição de nomeação de pessoas condenadas pelos crimes previstos na lei não implica algum tipo de autorização para que condenados por outros crimes possam ser indicados para cargos públicos.

"A presunção, no caso, é de que o ato normativo foi editado para aprimorar e especificar (e não para desvirtuar) os princípios que regem a administração pública. Além disso, não seria razoável considerar inválida uma lei editada com o objetivo de conferir efetividade ao princípio da moralidade administrativa, só porque seu texto (ao proibir nomeações de pessoas condenadas criminalmente) ficou aquém do que se podia esperar, não abrangendo (expressamente) todos os tipos de condenação."

Assim, para o magistrado, se não existe qualquer distinção no texto da lei entre os crimes especificados e os demais tipos penais, e se o administrador continua obrigado a observar as restrições decorrentes da moralidade administrativa quanto aos crimes que não foram objeto de especificação, não há que se falar em tratamento privilegiado ou ofensa ao princípio da isonomia.

"O legislador municipal se limitou a selecionar determinados tipos de condenação penal (que considerou relevantes) para destacar, de forma específica e expressa, a proibição para acesso a cargos públicos. Em nenhum momento, todavia, permitiu à administração, nem de forma implícita, a exclusão ou abrandamento das restrições (decorrentes da moralidade administrativa) em relação às pessoas condenadas por crimes de outra natureza", completou.

Divergência
Em declaração de voto divergente, o desembargador Evaristo dos Santos defendeu a inconstitucionalidade das duas leis. "Inequívoco o vício de iniciativa. Ainda que se justifique o nela disposto com a preservação dos princípios morais na investidura de cargos públicos, somente ao chefe do Poder Executivo cabe estabelecer os critérios e requisitos para tanto."

Na visão do magistrado, as leis de Ubatuba e Santo André, ao proibir a nomeação de determinadas pessoas para cargos comissionados, versou sobre regime jurídico dos servidores públicos, "invadindo seara privativa do Executivo, caracterizando, dessa forma, o vício formal subjetivo a ensejar o acolhimento da pretensão".

Para o desembargador, também há a inconstitucionalidade por violação ao princípio da separação dos poderes. "Por mais nobre que tenha sido o intuito da lei, não se afigura razoável violar um princípio constitucional (da separação dos poderes), a pretexto de impor outro (princípio da moralidade administrativa)", afirmou.

Além disso, Santos apontou ofensa aos princípios da legalidade e da igualdade. Isso porque, segundo ele, ao vedar a nomeação apenas de condenados por determinados crimes, os textos permitiriam a nomeação de condenados por quaisquer outros crimes não previstos nas normas.

"Deste modo, a norma local, a pretexto de resguardar a moralidade administrativa, na presumida inexistência de outras normas estabelecendo tais óbices, acabou se afastando ainda mais da pretensão, pois, viabiliza a todos aqueles condenados por outros tipos de crime, por mais hediondos e graves que sejam, não descritos na legislação municipal, possam ser nomeados", completou Santos.

Fonte: ConJur