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TJ-SP anula lei de 1997 de criação de cargos, mas mantém servidores nomeados

Aplica-se a teoria do fato consumado nas hipóteses em que a restauração da estrita legalidade ocasionaria mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso de tempo.

O entendimento é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo ao anular uma norma de Matão, editada em 1997, que criou cargos efetivos com atribuições definidas em decreto, e não na própria lei, mas com a preservação da situação dos servidores já nomeados até a data do julgamento. A decisão foi por maioria de votos.

A ADI foi movida pela Procuradoria-Geral de Justiça, alegando que, em atenção ao princípio da legalidade, a criação de cargos ou empregos públicos de qualquer natureza e das funções de confiança, suas atribuições e seus quantitativos, devem constar em lei formal, não sendo admissível sua delegação a ato normativo do chefe do Poder Executivo.

O relator, desembargador Ferreira Rodrigues, acolheu a alegação de inconstitucionalidade com base em precedente do Supremo Tribunal Federal (ADI 4.125). "A descrição das atribuições deve constar, necessariamente, do texto da lei, e não de decreto do Executivo, pois conforme entendimento consolidado perante o STF, é inconstitucional a delegação de competência ao chefe do Poder Executivo para dispor (por decreto) sobre atribuições de cargos públicos, o que implicaria burla ao princípio da reserva legal para criação desses cargos", disse.

O magistrado também defendeu a necessidade de modulação dos efeitos da decisão, uma vez que a lei está em vigor (e vem sendo aplicada), com presunção de validade, há quase de 25 anos, e que os ocupantes dos cargos criados são todos concursados, o que pressupõe que cumpriram os requisitos da lei e do edital. Além disso, Rodrigues disse que cada nomeação despertou no servidor uma sinalização de que o ato era válido.

"A inconstitucionalidade, no caso, está sendo declarada por vício formal (referente à descrição das atribuições), ou seja, o defeito da norma impugnada não propiciou burla ao concurso público ou ao sistema de nomeações, nem caracterizou hipótese de ato ofensivo aos princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade administrativa", acrescentou.

Segundo o relator, a dispensa de mais de 3.500 servidores, por erro legislativo ocorrido há quase 25 anos, "longe de atender o interesse público", poderá gerar conflitos judiciais entre a administração e os funcionários, gerando "mais danos sociais do que a manutenção da situação consolidada pelo decurso de tempo".

"Decorre daí a necessidade de atribuição de efeito ex nunc à declaração de inconstitucionalidade para que sejam preservadas as nomeações já realizadas, com base na teoria do fato consumado e nos princípios da segurança jurídica, boa-fé objetiva e proteção da confiança legítima", disse o relator, destacando que a modulação serve para impedir que o erro do legislador prejudique servidores de boa-fé.

Rodrigues afirmou que a possibilidade de preservação de atos ilegais ou inconstitucionais, mas que se solidificaram no tempo, encontra respaldo na teoria do fato consumado, cujo principal fundamento, a segurança jurídica, "tem inteira e adequada aplicação" ao caso dos autos: "A jurisprudência do STJ tem admitido a incidência da teoria do fato consumado, como forma de realizar justiça no caso concreto, à luz do princípio da segurança jurídica" (REsp 1.444.690).

Ainda de acordo com o desembargador, a Suprema Corte também possui orientação semelhante, e tem decidido que, em situações excepcionais, por motivos éticos e sociais, é preciso harmonizar o princípio da nulidade da norma inconstitucional "com a exigência de preservação de outros preceitos, como a segurança jurídica, a confiança legítima e a boa-fé objetiva" (ADI 6.769).

"Em razão de tal entendimento, é perfeitamente possível preservar a situação dos servidores já nomeados, mesmo diante da declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada, para evitar que a exclusão de uma situação de inconstitucionalidade (no caso a descrição das atribuições em decreto quando o correto seria em lei formal) propicie o surgimento de panorama igualmente inconstitucional (ADI 4.029) ou até maior do que aquela declarada na ação direta (ADI 2.797)", afirmou.

Fonte: ConJur