A laicidade do Estado não significa inimizade com a fé. Com esse entendimento, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo validou uma lei de Porto Ferreira que prevê a colocação de uma BÃblia no plenário da Câmara de Vereadores. A ação foi proposta pela Procuradoria-Geral de Justiça, que alegou ofensa aos princÃpios da isonomia e da laicidade do Estado brasileiro.
Para a Procuradoria, o texto acaba prestigiando as religiões que adotam a BÃblia, em detrimento de outras crenças, ferindo também o princÃpio da liberdade religiosa. Além disso, argumentou que a lei se distancia da neutralidade imposta pela ordem constitucional ao poder público. Contudo, a ação foi julgada improcedente.Â
"O conceito do Estado laico relaciona-se a neutralidade estatal, mas não preconiza o ateÃsmo, sendo perfeitamente possÃvel e constitucional que se conviva com sÃmbolos religiosos, principalmente porque dizem sobre sua história e sua cultura, muitas vezes de parcela considerável de seu povo, não se mostrando como intuito do legislador constitucional proibir exibição de objetos, imagens, escrituras religiosas de qualquer religião, porque tais medidas não cerceiam os direitos e liberdades concedidos aos cidadãos", disse o relator, desembargador Damião Cogan.
O magistrado citou entendimento do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do ARE 1.099.099, de que a neutralidade estatal não se confunde com indiferença religiosa. A indiferença, disse a Suprema Corte, gera posição antirreligiosa contrária ao pluralismo religioso tÃpico de um Estado laico.
"Uma interpretação que considerasse a lei objurgada inconstitucional poderia levar a cancelar feriados religiosos nacionais, impediria tombamento de construções religiosas, determinaria a alteração de nomes de monumentos, praças, ruas, salas públicas, prédios que fizessem alusão a alguma religião, e outras tantas situações que, histórica e culturalmente fazem parte de nossas raÃzes, o que se revelaria uma situação extrema e teratológica", argumentou o relator.
Dessa forma, Cogan concluiu que a norma de Porto Ferreira não afronta o princÃpio do Estado laico, nem a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo, portanto, constitucional. A decisão foi tomada por maioria de votos, após aproximadamente uma hora de debates na última sessão do colegiado.
A divergência foi instaurada pelo desembargador Torres de Carvalho, para quem a norma violou o princÃpio da laicidade. Ele foi acompanhado por outros dez magistrados. "Se há dúvida sobre manter ou não uma BÃblia em prédio público, a questão deve ser resolvida em favor da laicidade, e não contra ela", disse Carvalho.Â
Fonte: ConJur