O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de MS, por unanimidade, considerou formalmente e materialmente inconstitucional a Lei nº 3.425/2018, denominada “Cidade Vigiada”. A norma, de iniciativa do Poder Legislativo de Três Lagoas, concedia desconto de até 15% no IPTU para empresas e munícipes que instalassem câmeras de videomonitoramento de alta resolução. Pela decisão, o ato equipara-se a renúncia fiscal e é privativo do chefe do Poder Executivo.
Segundo o pedido do Município, a referida lei foi vetada por ser inconstitucional e violadora da Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 14), diante da existência de renúncia fiscal, sobretudo em época de crise financeira, mas o referido veto foi rejeitado pelo Poder Legislativo, o que vem causando enormes transtornos nas finanças do Município.
A defesa esclareceu na ação que, embora o STF, em Tese de Repercussão Geral (Tema 682 ARE 743.480, Rel. Min. Gilmar Mendes), tenha definido que “inexiste, na Constituição Federal de 1988, reserva de iniciativa para leis de natureza tributária, inclusive para as que concedem renúncia fiscal”, é inegável, em alguns casos, que a matéria de natureza tributária interfere diretamente na execução do orçamento público, cuja iniciativa legislativa é do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 160, incisos I, II e III, da Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul.
O município autor ressaltou que a Câmara Municipal, ao rejeitar o veto realizado pelo Prefeito Municipal, devidamente fundamentado, invadiu campo atinente ao orçamento público, afetando diretamente e de forma negativa, em visível desvio do poder de legislar, ao impor um corte orçamentário à Administração, sem as devidas observâncias da legislação
A Câmara Municipal de Três Lagoas manifestou-se pela improcedência do pedido.
Para o relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, Des. Claudionor Miguel Abss Duarte, muito embora a lei impugnada trate de matéria tributária, referida norma não consiste apenas em obrigar o Poder Executivo a implantar câmeras de videomonitoramento, mas igualmente em oferecer descontos no IPTU àqueles que cumprirem a norma, o que implica em renúncia de receita, matéria da competência privativa do Executivo, prevista na Lei Orgânica Municipal, que invade campo atinente ao orçamento público e atenta contra a Lei de Responsabilidade Fiscal.
O Prefeito vetou integralmente a norma sob o argumento de que a Câmara Municipal adentrou em matéria da competência privativa do Chefe do Poder Executivo, afrontando o princípio da harmonia e independência entre os poderes, bem assim deixou de observar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na sequência, o Legislativo rejeitou o veto.
“Conforme externado no relatório, além da violação ao princípio da harmonia e independência dos poderes e da ofensa à Lei de Responsabilidade Fiscal, outro argumento utilizado pelo Chefe do Poder Executivo, na inicial da presente ação, foi de que a Câmara Municipal teria apreciado o veto fora do prazo de 30 dias, o qual deixou de ser colocado na ordem do dia da sessão imediata, o que teria afrontado os §§ 4º e 6º do art. 70 da Constituição Estadual, dispositivos reproduzidos nos §§ 4º e 6º da Lei Orgânica Municipal”, disse o desembargador.
Ainda segundo o relator da ação, “não se trata simplesmente de aprovação de uma Lei Municipal, por iniciativa do Legislativo, para instalar câmeras de videomonitoramento na cidade, mas primordialmente de se conceder descontos no IPTU a empresas e munícipes que instalarem o referido equipamento, sem estudo de impacto financeiro, o que afeta o orçamento público, ato equiparável à renúncia fiscal, de competência privativa do Poder Executivo, que gera reflexos diretos no planejamento das contas do Município, redundando em visível desvio do poder de legislar”, asseverou.
No voto, ficou ainda segmentado que não restam dúvidas de que a legislação impugnada, seja no aspecto formal, seja no aspecto material, está em desconformidade com a Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul, que, em simetria com a Constituição Federal, contempla princípios caros à Democracia, tais como a separação, a harmonia e a independência dos poderes.
“Com efeito, tal concessão (desconto do IPTU), além de onerar os cofres públicos municipais, causará dificuldades de gestão administrativa, porquanto será necessário incrementar o setor de fiscalização e de controle, impelindo à necessidade de criação de novos órgãos e contratação de funcionários para realização de tal trabalho, que gerarão novas despesas”, disse o desembargador, finalizando seu voto.
Fonte: TJ/MS.