Decisão unânime dos magistrados da 1ª Câmara Cível, em sessão de julgamento permanente e virtual, deram provimento ao recurso interposto para o fim de condenar um município do interior de MS a fornecer transporte escolar para as apelantes, ida e volta, iniciando-se na residência delas até a unidade escolar onde estão matriculadas.
O caso dos autos trata de pedido de transporte escolar gratuito, a duas menores, residentes em zona rural, que precisam frequentar a escola no município de Selvíria. Ao que consta, o município oferece o ônibus escolar, mas o último ponto do trajeto, mais próximo à residência das crianças, fica a 5 km de distância.
Assim, diariamente, as crianças precisam se locomover por 5 km para tomar o ônibus e ir à escola e, depois da aula, 5 km para dela voltar. Se houver carro, vão de carro, mas se não houver devem ir caminhando. A genitora afirma que leva as crianças de carro até o ponto de ônibus, contudo, não considera correto, pois o direito à educação lhes garantiria acesso mais facilitado à escola. A ida e volta, mesmo de carro, duas vezes ao dia, representa 20 km diários. Ademais, a família, ao que consta, é carente, levando a vida com dificuldade, e o padastro das crianças trabalha com serviços braçais em chácaras, sítios e fazendas, com baixa remuneração.
Em seu voto, o relator do processo, juiz substituto em 2º Grau Luiz Antônio Cavassa de Almeida, ressalta que a família está com dificuldade de manter as crianças estudando, em razão do dificultoso acesso à escola, que depende de transporte público bastante inacessível, principalmente por se tratarem de crianças que, quando do ajuizamento da ação em 2018, tinham 9 e 5 anos de idade. “Com efeito, o que se verifica é que a família está se esforçando para manter as crianças estudando, mas, se eventualmente não tiver mais condições de manter os custos de um carro (realidade da grande população brasileira), as crianças não mais terão acesso a escola, o que é uma grande injustiça, principalmente quando é dever do poder público fornecer o transporte escolar”.
O magistrado destaca que a Constituição Federal de 1988 estabelece que a educação é um direito de todos e dever do Estado, que deve assegurá-lo à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, cuja efetivação engloba o dever de fornecer o transporte para o devido acesso à educação. “Ao deixar de disponibilizar o transporte adequado às menores, o município apelado não só descumpre seu dever constitucional, mas também ofende ao disposto no art. 53, V, do Estatuto da Criança e do Adolescente. (…) Outrossim, importa observar que a Lei Estadual n. 5.146/2017, que revogou a n. 3.488/2008, estabelece as diretrizes e as normas gerais sobre o acesso ao transporte escolar pelos alunos da Rede Estadual de Ensino, residentes na zona rural, e institui o Programa Estadual de Transporte Escolar de Mato Grosso do Sul (PTE-MS) e não alterou o direito anteriormente garantido”.
De acordo com o relator, a Lei Estadual 5.146/2017 estabelece que é permitido que o veículo de transporte escolar trafegue fora dos limites da linha mestra, quando o aluno residir a uma distância superior a 3 km do traçado principal. “In casu, as alunas menores residem em área rural, cuja fazenda é localizada a 5 km do local por onde passa o transporte escolar, amoldando-se à hipótese prevista no art. 10, § 2º, do referido diploma legal. A negativa do município em disponibilizar o transporte regular às menores configura violação do direito das crianças terem acesso à educação, afrontando diretamente o disposto nos arts. 205, 207 e 208, I e VII, da CF/88, art. 53, V do ECA e legislação estadual”, concluiu.
O processo tramitou em segredo de justiça.
Fonte: TJ/MS.